Treze anos se passaram e aquela tarde nublada não sai da minha cabeça.
Bati palma em frente ao portão de grade amarela. “Oi, é aqui que tem o grupo de teatro? Vim fazer o teste.”
Havia uma escada e uma moça bem no alto que ensaiava o papel da lua. Personagem bela, altiva, elegante.
Mas a atriz não se adequou à maneira que a diretora esperava. “Quer tentar fazer?”. “Oxi, quero”, eu respondi.
Subi os degraus e despejei meu exibicionismo. O papel era meu, logo de cara! Felicidade pura. É isso que tenho que fazer pelo resto da minha vida porque sou boa. Mundo, espera que a estrela chegou.
Rum. No ensaio seguinte, a diretora: “Verônica, você canta?” e meu mundo caiu. A personagem da lua cantava e ela achava melhor que uma atriz com essa habilidade ficasse com o papel, claro.
“Você, então, vai fazer o muro”.
(silêncio de dor no meu peito)
Tenho memória fraca, mas lembro desse dia como se fosse ontem.
Meu pai foi me buscar. Entrei no carro e fiz aquela cara de jururu. Contei a ele que fui rebaixada de lua à muro. E, ser muro, era ser ninguém.
“Ué, faz o melhor muro que o teatro vai ter. Mostra que você cabe em todos os papéis”, meu pai me deu um dos seus melhores conselhos.
Meses depois, estreava a peça “Senhor Rei, dona Rainha”, uma adaptação de Romeu e Julieta para crianças. Meu personagem separava os reinos os dois protagonistas famosos.
Fiz um muro velho e rabugento, que não gostava daquele melodrama romântico, estava cansado de ser mijado pelos cachorros, de ser invisível. E as crianças caíam na gargalhada.
No final, os atores se despediram da meninada e eu não fui porque não conseguia sair sozinha do figurino. Mas ouvi as crianças em coro: Muro! Muro! Muro! Queremos o Muro!
Foi um dos meus melhores dias.
Nem sempre a gente tem o papel que deseja na vida, mas desempenhar o que se tem da melhor forma é nosso dever. Fiquei com a lição até hoje: ser capaz de amar o que faz é superior à preocupação de apenas fazer o que ama.